13 de novembro de 2007. A Apple acaba de revolucionar lançando um Smartphone chamado iPhone, que prometia acabar com a hegemonia do BlackBerry no mercado. Provavelmente você tinha um link ADSL de 500kbps que era uma ultra velocidade pra época, e graças ao dólar à R$2,10 você pode comprar na lojinha de importados um Xbox 360, que à essa altura já se popularizava no país do então presidente Lula.
Nas comunidades de games do Orkut você ouve falar de um tal jogo novo da Ubisoft, com umas mecânicas de Prince of Persia, ambientado durante as cruzadas. A proposta é interessante, você chama o seu amigo que trabalha numa loja de games pelo MSN e combina de ir buscar o tal jogo, que à princípio a única referência que você tem é esse trailer, assistido no Google Videos:
A sensação é de estar jogando algo visivelmente diferente, de nova geração MESMO, algo que faz valer a pena ficar em casa nas sextas à noite, tomando Brahma na lata branca e comendo Cheetos tubo enquanto desfruta desses gráficos lindos na sua TV de tubo (as 12x do videogame ainda não acabaram pra comprar uma TV de Plasma). Tudo parece funcionar bem, as mecânicas de combate (herdadas diretamente de Prince of Persia) funcionam bem e o Parkour é o ápice do jogo, as fugas pelos becos estreitos de Jerusalém, Damasco e Acre são um show à parte. A história é interessante, com cutscenes e missões diferenciadas para cada ato do jogo. Após longas 15 horas de gameplay, você zera o jogo, guarda ele com carinho e troca ele na mesma loja pelo Burnout Paradise. Mas a lembrança boa ficou na sua memória.
05 de outubro de 2018. A Apple acaba de lançar mais um iPhone que custa o preço de um carro usado, que não tem nada de novo além de uma câmera diferente. Seu link de 120mbps, você usa pra baixar os joguinhos, tudo em promoção, porque com o dólar à R$3,90 os jogos estão caros e o Xbox One X que você acabou de comprar ainda está no começo das prestações. No grupo de “video gameiros” do WhatsApp você vê a mesma notícia dos últimos 11 anos: “Outro Assasins Creed?!?!”.
Após meses do lançamento, você por insistência de promoções recebidas por e-mail, acaba comprando o jogo pela metade do preço, por impulso, numa sexta feira à noite que não tinha nada pra fazer. Você começa o jogo, e ele até que é divertido, mas… Você fica se lembrando daquele dia a mais de onze anos atrás e a sensação de novidade, de algo diferente, não vem. Após zerar o jogo, você olha o mundo ao seu redor e vê que tudo mudou, que o mundo hoje em dia tá chato, repetitivo e monótono.
Daí vem a ideia: Vou jogar novamente aquele jogo que na minha memória era incrível!
O problema começa quando você se lembra que seu Xbox 360 deu 3 Red Lights e você o jogou fora, mas isso foi contornável utilizando a retrocompatibilidade do Xbox One. Primeiro empecilho contornado.
Após o jogo instalado, vamos começar, após a abertura (que é exatamente o trailer de lançamento mostrado acima), você começa a ver a história e… Cadê as legendas? Eu entro no menu, procuro por todo lado, pesquiso na internet e… NÃO TEM! Até aí tudo bem, pois hoje em dia meu inglês evoluiu bem, mas não ao ponto de entender sotaque árabe durante as cutscenes.
Observação interessante: Fiquei pensando como o jovem Alvinho entendeu esse jogo e cheguei mais tarde, a conclusão que na verdade ele não entendeu.
Vamos lá, começou a ação! No primeiro momento o que mais é estranho, é a sensação de jogar um jogo da era que eu chamo “Pré-Dark Souls”. Só existe um botão de ataque e o foco de combate funciona como uma entidade com vontade própria: Você nunca acerta o que quer. Algumas mecânicas impressionam pela época: Já existe sistema de parry e counter, assim como o foco (com vontade própria também). Mas nem tudo são espinhos, o sistema de fuga e parkour funcionam bem. Às vezes durante a fuga, caso você esbarre em civis muitas vezes, Altair (nosso amiguinho, protagonista do jogo) toma um rola e os guardas podem te surrar enquanto ele faz cosplay de Neymar no chão.
O mais interessante desse detalhe é: Essa mecânica foi retirada dos novos AC! O que era o foco e principal mecânica do primeiro jogo foi gradualmente desaparecendo até não existir nenhum resquício. Nem mesmo as carroças de feno e “guaritas” de pano no topo dos prédios para se usar de esconderijo durante as fugas existem mais.
O mesmo se aplica para locais altos da qual Altair pode se jogar, o símbolo da série: O Leap of Faith. No primeiro jogo praticamente todo local acima do nível da rua tem uma conveniente carroça de feno em baixo, assim você pode se esconder rapidamente dos guardas e se poupar do combate terrível do jogo. Ironicamente essa mecânica também desapareceu nos jogos novos, com uma plausível explicação: O primeiro jogo tinha apenas três cidades e um mapa que funcionava como um HUB entre as três. Todas tinham vários desses pontos da qual você poderia durante uma fuga, se jogar e magicamente desaparecer. No ultimo Assassin’s Creed, o Odyssey, há 28 áreas/cidades e bem diferente das 4 áreas do primeiro jogo, há poucos ou nenhum desses pontos de fuga, sendo quase sempre restritos à área de obervação (um ponto muito alto na qual ao chegar no topo o mapa é revelado). Ou seja: não há o mesmo planejamento para 28 cidades cidades, não devido a falta de cuidado dos desenvolvedores, mas sim por conta da mecânica “Hit and Run” não existir mais. Após um assassinato, você pode simplesmente enfrentar um exercito inteiro, pois o sistema de combate funciona muito bem, diferente do primeiro jogo. Mas… Será que isso foi uma evolução boa ou só mais uma evidência que Assassin’s Creed hoje em dia perdeu totalmente sua essência?
Dando uma pausa nas comparações e voltando ao foco aqui que é o Assassin’s Creed: Entre os capítulos do jogo, você sai do Animus e vai à sala da Abstergo, na qual há vários diálogos explicando que está acontecendo no enredo do jogo, dessa vez, sem o sotaque árabe, mas também sem legenda. Aproveitando o gancho de cutscenes, acredito que a tecnologia da época não permitia um avanço chamado “APERTE B PARA PULAR A CENA”. Cada vez que você tem que reiniciar uma missão, você é obrigado à assistir a cena inteira novamente, sem legendas e com sotaque árabe.
O sistema de escalada também é algo que era bom e foi ficando ruim com o tempo. O famoso “tava bão, falaram que ia melhorar, mas agora parece que piorou”. Você só consegue escalar a cidade em caixas ou paredes irregulares. Geralmente após cada escalada você tinha algum ponto para conseguir continuar correndo ou se esconder. Pulando 12 anos pra frente, agora você consegue escalar qualquer coisa no mapa, desde rochas até muralhas feitas pelo mais perfeccionista dos pedreiros.
O resultado não poderia ser outro: quedas em qualquer lugar, mortes por queda acidental e escaladas acidentais. Isso sem contar que a escalada era algo cadenciado e demorado, parecendo uma escalada real e agora o “efeito lagartixa” domina o jogo. Seu personagem sobe qualquer coisa rapidamente e como dito anteriormente, cai na mesma velocidade.
Algumas mecânicas não estão presentes (e fazem falta), foram adições valiosas nos jogos posteriores, como o “Air Strike”, ou seja cair de um ponto mais alto em cima de um inimigo, causando um instakill. O “blend”, que seria entrar no meio de uma multidão e fazer os perseguidores te perder de vista. Também notei que Altair tem problemas na coluna, pois ele não consegue agachar um milímetro sequer. Ou coisa estranha é que um assassino altamente treinado e praticante de parkour, não sabe nadar! SHAME ON YOU, ALTAIR!
Outro ponto interessante é que Altair chama a atenção de guardas na cidade (MUITA atenção, se o jogo se passasse em dias atuais ele estaria usando um óculos da Oakley e bermuda de tactel), você deve evita-los, ou se misturar na multidão para que não seja perseguido à toa, dando uma dinâmica stealth bem interessante ao jogo. A sensação de impotência perante aos guardas e templários é realçada pelo combate terrível, que na maioria das vezes, deixa a fuga como a melhor opção. Mais uma mecânica decepada pela Ubisoft nos jogos novos. Também há cavalos que por mais estranha que seja a jogabilidade, te levam do ponto A ao ponto B mais rapidamente, coisa que se manteve nos jogos posteriores.
Quanto à história, ela é bem genérica e previsível, mas respeita bem o contexto histórico na qual o jogo está inserido. Vemos cristão em cidades cristãs, muçulmanos em cidades sarracenas, tudo isso identificável pelo sotaque, etnia ou vestimentas dos cidadãos das cidades. Cuidado que foi deixado de lado nos jogos mais recentes, vemos gregos de todas as etnias, como se fossem gerados automaticamente. Algo que funciona bem em jogos que se passam no nosso mundo ocidental atual, como WatchDogs 2, mas não em algo de um período histórico e geográfico tão específico quanto o da antiga Grécia.
E não menos importante, temos os coletáveis! Sim! Eles já existiam nessa época e também eram terríveis, assim como jogos atuais. Há 100 bandeiras coletáveis em cada uma das 5 áreas do jogo, somando aos 60 templários no mapa (que funcionam como uma espécie de coletável) você tem mais ou menos 560 itens para coletar, haja paciência.
Somando todos os pontos negativos e positivos, a experiência de jogar algo que rendeu 11 jogos AAA posteriores, e mais de 12 spin offs, é deveras interessante, principalmente tendo jogado algo recente como o Origins ou o Odyssey. Ver o conceito original e como ele foi se moldando e se distorcendo à nova industria de jogos é interessante ao mesmo tempo angustiante.
Ter que se adaptar com controles e mecânicas que foram esquecidas no tempo não é uma tarefa simples, e você vai com certeza se sentir desconfortável do começo ao fim. E no final das contas, será que a criadora do primeiro jogo, Jade Raymond, sabia do monstro que criou lá em 2007? Bom, talvez daqui 11 anos, eu esteja novamente escrevendo aqui, comparando O Assassin’s Creed Odyssey com o Assassin’s Creed que sairá em 2030, pois pelo visto, isso não vai acabar tão cedo.